O FutsalPortugal publicou um artigo de opinião do seu responsável Pedro Santos, por volta das 4 da manhã. Dez horas depois são já às dezenas as respostas.
Aqui fica a de Francisco Fradilha (sem desprimor pela outras)
Caro Pedro,
Não pude ficar indiferente ao seu artigo, pelo que lhe respondo com um outro.
Um abraço e parabéns por continuar a resistir nesta onda de decadência do futsal português.
"O espelho"
Li, com atenção, o texto que o Pedro assinou neste sítio, com críticas acesas ao comentador da Eurosport2. Tal como li o post “Falta de Azar” que o ex-dirigente da Federação Portuguesa de Futebol, António Boronha, escreveu no seu blogue sobre a passagem da Selecção aos quartos-de-final do Mundial. Na minha opinião, falar de Orlando Duarte é, mais uma vez, fugir dos verdadeiros problemas.
Creio que a prestação da equipa das “quinas” neste Europeu está a ser o espelho do que tem sido o nosso futsal nos últimos anos. O único erro – se é que lhe posso chamar erro – que posso apontar ao treinador da selecção é talvez ter criado junto dos portugueses e da sua própria comitiva a ideia de uma candidatura ao título. Percebo que o faça, apelando ao espírito de transcendência dos seus atletas. Todavia, conhecendo-o e sabendo-o um ser de grande inteligência, tenho consciência que conhece como ninguém as limitações de que dispõe e que só um ou vários rasgos de genialidade momentânea dos atletas poderão dar cumprimento a uma ilusão que muitos querem revestir de possibilidade.
Ilusão porque não podemos à partida achar que a ideia de competir de igual para igual com selecções como a espanhola, russa ou italiana é justa. Nestes três países, as três primeiras divisões são profissionais. Já no nosso país, contam-se pelos dedos de uma mão – tenho dúvidas que os use todos – as equipas verdadeiramente profissionais. Logo aí, a base de recrutamento de atletas capazes de corresponder às exigências duma competição de elite faz com que o sonho se torne ilusão e que muito provavelmente não passe disso mesmo. Com honestidade, quer para mim quer para ele, dizer que o seleccionador tem um trabalho facilitado na escolha dos atletas é assumir uma verdade incontornável e infeliz. A nossa cultura desportiva está a anos-luz dos demais “candidatos”, cujas camadas jovens têm aulas pela manhã e à tarde treinam. No mínimo três vezes por semana. Quem conhece a realidade portuguesa, sabe que três treinos por semana é algo que nem sequer dois terços das equipas de séniores têm, quanto mais crianças, que continuam a estar no fundo da pirâmide de interesses.
A tão apregoada crise veio apenas tornar indisfarçável a forma incompetente como o nosso futsal tem sido gerido. Cada vez mais incompetente, dado que agora, com deficiências estruturais assustadoramente visíveis, há muitos que em vez de (re)criarem projectos visivelmente acabados tentam ir tapando remendos e hipotecando cada vez mais as hipóteses de futuro.
Sem xenofobias nem racismos, parece que o recurso ao atleta brasileiro se está a tornar a poção mágica para todos os problemas. E se a falta de dinheiro já não permite trazer mais-valias, importa-se atletas de Vera Cruz porque “são mais baratos”. Como se em vez de seres humanos fossem mercadorias, que vêm e vão conforme os apetites dos nossos pseudo-dirigentes, que vão atirando areia muitas vezes para os seus próprios olhos. Agora, já não é só na I divisão que os estrangeiros vão sendo a forma fácil e rápida de atingir objectivos. Na II e III divisões, raras são as equipas que não têm pelo menos um e até nos distritais já se podem encontrá-los. Se há exemplos que não devíamos tirar do futebol, este é claramente um deles. O ganhar a todo o custo e deixar preocupações de gestão para outros que venham depois.
Encaremo-lo com honestidade, não tardaremos a ter os nossos Salgueiros e Campomaiorenses. A quem quer atirar as culpas desta campanha húngara ao seleccionador, digo com frontalidade: redireccionem as miras e atirem antes às dezenas de dirigentes bacocos que chamam “projectos desportivos” a tentativas de promoção pessoal e falta de visão estratégica.
Pedir competitividade a uma selecção nacional cujo país não valoriza os seus próprios atletas e não lhes dá condições de evolução sustentada é o mesmo que pedir a um burro que vença uma corrida de cavalos. Sem campeonatos nacionais jovens, sem selecções nacionais jovens, sem uma formação massificada para treinadores e dirigentes e, acima de tudo sem condições – nem vontade - para a implementação de uma verdadeira cultura desportiva, estruturada e capaz, não há Europeu ou Mundial que interessem. Quando não há quem verdadeiramente se interesse pelo futsal português. Entendendo-se por quem pessoas com poder para inverter o estado das coisas.
A quem quiser apelidar Orlando Duarte ou Jorge Braz de incompetentes deixo o desafio: dêem-lhes um centro nacional de treino, dêem-lhes mais estágios, dêem-lhes selecções jovens. Em suma, dêem-lhes a hipótese de definir um projecto de fundo para o futsal português. Dêem-lhes as condições e depois exijam-lhes resultados. Até lá, agradeçam-lhes. Porque têm sido brilhantes vendedores de ilusões. Fazendo omeletes com os ovos que lhes dão. E eles bem sabem o quanto dói que assim seja.
Francisco Fardilha
Treinador de Futsal